Quando a cidade de Lages, no planalto serrano catarinense, recebeu em 2016 o primeiro dos Centros de Inovação projetados e construídos pelo governo do estado, a região estava distante de ser um polo de tecnologia ou de ter algum “ecossistema” voltado ao desenvolvimento de negócios inovadores. Quatro anos depois, porém, uma série de iniciativas e projetos mudou a perspectiva local, por meio da articulação entre empreendedores, entidades, universidades e sociedade civil, conectados a partir das ações lideradas pelo Orion Parque Tecnológico.
“Diferente de outras regiões de Santa Catarina, Lages não tinha nenhum ecossistema de inovação à época”, lembra Nelissa Gevaerd, vice-presidente do Orion. “Hoje, nós recebemos as demandas locais e fomentamos uma cultura de inovação por meio de iniciativas de relacionamento e programas como o CHIMAtalks, Mulheres Connect, o Escritório de Projetos Gênesis e o Reuni, que aproxima startups às universidades – celeiros de ideias que estão no papel, mas que muitas vezes não chegam para a sociedade, para outros empreendedores”, detalha.
Só no campus local da Universidade Estadual (Udesc/CAV), comenta Nelissa, são mais de 80 doutores e cerca de “300 projetos desenvolvidos anualmente e que estamos buscando transformar em negócios para fomentar o mercado local”. Nos últimos meses, em função do impacto social e econômico da pandemia, o Centro de Inovação lançou uma chamada pública para ideias de combate à violência contra mulheres, além de dois projetos de aceleração, um voltado ao desenvolvimento de pequenos negócios e outro para iniciativas sociais, que já somaram 100 ideias e o apoio de 20 mentores.
Após este trabalho de base nos últimos anos, o Orion hoje conta com 140 empresas vinculadas, onde trabalham 1,8 mil pessoas, com um faturamento total de R$ 155 milhões e R$ 12 milhões de impostos recolhidos, calcula a vice-presidente. “Para o nosso ecossistema, estes números são bem animadores. Tivemos muitos desafios neste início, especialmente a necessidade de fazer muito com pouco. Isso desenvolveu não apenas resiliência, mas também uma metodologia que poderá auxiliar outros centros de inovação que estão começando em Santa Catarina”, resume.
Novos Empreendimentos pelo Estado em 2020
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS) do Governo do Estado, outras seis cidades catarinenses devem ter seus Centros de Inovação inaugurados ainda em 2020: Blumenau, Brusque, Chapecó, Itajaí, Joaçaba e Tubarão, com obras em fase de finalização. Eles se somarão a outros municípios onde há empreendimentos deste perfil em operação, como Florianópolis (que tem uma rede própria de Centros de Inovação), Joinville, Lages, Jaraguá do Sul, Caçador e Videira.
Em Blumenau, foram lançados no dia 29 de setembro três editais para ocupação do Centro de Inovação local: um para incubação, outro para projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e outro para empresas inovadoras.
“Esta estratégia de desenvolvimento a partir do empreendedorismo inovador é uma política pública fundamental. Ela foi certeira em diversas regiões mundo afora e conseguiu modificar a realidade drasticamente, porque gera impactos reveladores”, comenta o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da SDS, Rafael Meyer. Em São Bento do Sul, as obras estão 60% concluídas e, nos municípios de Criciúma e Rio do Sul, o projeto dos Centros está na fase de planejamento. “Futuramente, queremos chegar às 21 associações de municípios do estado, para ter uma abrangência de atuação regional completa”.
Videira, cidade do meio-oeste catarinense, também se integrou à rede de Centros de Inovação a partir de esforços da iniciativa privada. “É inviável o governo construir estes empreendimentos em todas as regiões. Contudo, temos um modelo, um guia de implantação que ajuda a dar as diretrizes e requisitos para ser credenciado e impulsiona um DNA de inovação. Hoje, Videira recebe recursos para empreendedorismo inovador, editais da Fapesc, movimentos de incubação, pré-incubação e ingressou no cenário estadual de redes de inovação”, ressalta Rafael.
Outro exemplo nesse modelo é o Ágora Tech Park, em Joinville, projeto do Perini Business Park, inaugurado em março de 2019, que se tornou ponto de referência para o ecossistema da maior cidade catarinense, reunindo entidades como Acate, Fiesc, Sebrae SC, laboratórios de inovação de grandes empresas, aceleradoras, coworking e espaço para eventos.
Como forma de articular ações entre a chamada “quádrupla hélice” (mercado, academia, governo e sociedade) e também promover uma integração entre o que é desenvolvido em outras regiões do estado, a Associação Catarinense de Tecnologia vem atuando em parceria com governo do Estado e os polos regionais neste processo de operação e planejamento dos Centros de Inovação.
“Queremos ser um grande articulador destes centros. Alguns já estão prontos, outros na iminência de serem inaugurados. Acreditamos se fizermos isso a seis mãos, envolvendo os polos regionais, a entidade estadual de tecnologia e o governo catarinense, será muito mais produtivo para que as ações tenham efetividade após a entrega do prédio em cada região”, ressalta Iomani Engelmann, presidente da Acate.
Para Rafael, da SDS, “construir um prédio é a parte mais fácil, é preciso ativar o ecossistema com editais, cursos de formação, fazer esse movimento girar. Hoje, 80% de nossa agenda está voltada a estas ações”.
Oeste: Integração do Polo Local com Centro de Inovação
Em Chapecó, cidade que deverá receber um Centro de Inovação do governo ainda neste ano, o polo local DEATEC também vai inaugurar em breve uma sede própria aos moldes do CIA Primavera, sede da Acate em Florianópolis, que serviu como impulso para a criação de uma rede de inovação com quatro empreendimentos na cidade.
O CIAD – Centro de Inovação Acate Deatec tem inauguração prevista para novembro e deve reunir, em um espaço de 1,5 mil metros quadrados e 30 salas, além de empresas de tecnologia e áreas afins, os principais programas voltados ao desenvolvimento de negócios inovadores do Oeste catarinense. Nos números do estudo Acate Tech Report, a região concentra 1.291 empresas de tecnologia (10% do total do estado), que têm faturamento próximo a R$ 1 bilhão/ano.
“Temos muitos associados em outras cidades da região, como Concórdia, Pinhalzinho, Xanxerê, Joaçaba, São Miguel do Oeste, entre outras. Este espaço vai ajudar a concentrar nosso polo, trazer pessoas e projetos que estão espalhados pela região a um mesmo ambiente. Isso fortalece nosso polo, que vem mudando a matriz econômica local, sempre ancorada no agronegócio. Hoje, por exemplo, temos startups promissoras em áreas como comércio e serviços, transportes e logística”, ressalta a presidente do Deatec, Sinara Perosa.
O Centro de Inovação Chapecó@, que faz parte do projeto do Governo do Estado e também tem previsão de entrega em novembro, terá uma atuação complementar ao do CIAD, com foco na conexão com universidades, setor público e privado.
Como reforça o diretor executivo da Acate, Gabriel Sant’Ana, “nossa colaboração vai no sentido de entender a necessidade e a maturidade de cada região, para implantar ações e programas que possam contribuir com os atores locais. O protagonismo sempre deve ser dos atores locais”.
Benefícios de um ambiente de Inovação às Empresas
Para os empreendedores, qual a diferença de estar em um centro de inovação? A Way2, desenvolvedora de softwares para telemedição e aplicações de inteligência no setor elétrico, foi uma das primeiras a se instalar em um ambiente com esse perfil em Santa Catarina – e não demorou para entender o que isso representou em termos de oportunidades de negócios e inovação.
A empresa já ocupava desde 2008 o espaço onde seria inaugurado, em 2015, o Centro de Inovação Acate Primavera. Quando a obra foi inaugurada, a Way2 se mudou para um amplo espaço no segundo piso do empreendimento, que reunia além de empresas de tecnologia, aceleradoras, incubadoras, agências de publicidade e marketing, gestoras de venture capital e coworking. “Ganhamos um networking incrível, tudo acontecia em torno deste hub físico e ficamos no centro das atenções”, lembra o CEO e cofundador Ricardo Grassmann.
Para ele, uma das principais vantagens era o acesso a outras empresas e entidades, além de profissionais de ambientes de inovação. “Você estende o braço e encontra um parceiro para desenvolver uma tecnologia, ou para pensar em novos projetos. Todo mundo ganha com essa troca. Além disso, há um ganho real de percepção de que a empresa é inovadora. No nosso caso, não só com clientes, mas também com órgãos reguladores. O mercado entende que estamos preparados para encarar desafios de inovação que são necessários”, detalha Ricardo.
Mesmo enfrentando um mercado em crise, especialmente entre os anos de 2015 e 2016, a Way2 cresceu o faturamento em cerca de 65% ao longo dos últimos quatro anos e hoje conta com 86 colaboradores. Neste ano, mesmo com a pandemia, devem crescer em torno de 20%. “Ganhamos muito em produtividade nos últimos anos, não só por uma atuação interna, de gestão, mas também porque estamos em um ambiente especial, de estímulo à inovação”, conclui.
O impacto do CIA Primavera em Florianópolis, que hoje é o principal polo em faturamento e número de empresas de tecnologia no estado, levou à criação, em 2018, da pioneira Rede de Centros de Inovação na cidade. São quatro empreendimentos (CIA Primavera, CIA Downtown, CIA Sapiens e Soho) em diferentes regiões da cidade que promovem eventos, missões técnicas e projetos para estimular a cultura de inovação, atrair e capacitar empreendedores. Desde que foi inaugurada, a Rede recebeu mais de 400 eventos que somaram um público de 9,6 mil pessoas.
Durante a pandemia, foi lançado um canal de canal de atendimento online para empreendedores interessados nas iniciativas de inovação da cidade, como abrir negócios e quais os benefícios oferecidos, além de conexão com linhas de fomento e outros participantes do ecossistema local.
“O desenvolvimento de um Centro de Inovação leva em consideração um mix, como um shopping center, abrangendo uma diversidade de empresas e atores do ecossistema, além de serviços especializados e complementares. No início da pandemia, algumas empresas acabaram deixando estes ambientes em função de custos, mas agora a demanda está voltando, porque os espaços inteligentes são propícios para gerar inovação”, resume Gabriel Sant’Ana, da Acate.
Com informações: Portal SCInova